sexta-feira, 8 de maio de 2009

Natureza do Signo linguístico

NATUREZA DO SIGNO
Redação Técnica Por Ana Karine Andrade Em 08/05/09
Para melhor entendermos o processo comunicativo é necessário analisar mais cuidadosamente a natureza daquilo que, na comunicação, o emissor procura transmitir ao receptor.
Se prestarmos atenção aos termos "comunicação" e "comunicar", verificamos que ambos têm a mesma raiz, o adjectivo "comum". De facto, comunicar é pôr alguma coisa em comum, isto é, fazer com que aquilo que é meu passe a pertencer a outro, sem com isso deixar de ser meu.
E o que é isso, que pretendemos "pôr em comum"? São ideias, emoções, desejos... Isto é, são sempre conteúdos mentais, coisas imateriais, que não podem ser apreendidas pelos sentidos e que, por isso, são em si mesmas intransferíveis. De facto, a ideia que eu penso, a dor que eu sinto, o desejo que eu tenho, não podem ser directamente conhecidos por outros. Só eu tenho acesso a eles.
Por outro lado, o ser humano só tem conhecimento directo daquilo que pode apreender pelos sentidos: aquilo que pode ver, ouvir, cheirar, saborear, tactear.
Portanto, nem o emissor pode transferir para outrem os seus conteúdos mentais, nem o receptor pode apreender esses conteúdos mentais, porque eles são imateriais. No entanto, todos sabemos que há efectivamente comunicação entre os seres humanos e que, no processo comunicativo, o emissor põe em comum com o receptor os seus conteúdos mentais.
O segredo deste aparente paradoxo está no código.
Dado que os conteúdos mentais são em si mesmo intransferíveis, o que o emissor faz é associar um dado conteúdo mental (por exemplo, uma ideia) a um determinado objecto físico (por exemplo, uma sequência de sons – [mesa]). O conteúdo mental, como vimos, não pode ser directamente apreendido pelo receptor, mas o objecto físico criado pelo emissor, sim. E de facto é isso que todos fazemos, sem esforço e de forma quase inconsciente, quando comunicamos.
Resumindo: o emissor associa os seus conteúdos mentais a um dado objecto físico que produz para o efeito (codifica a mensagem); o receptor apreende com os seus sentidos esse objecto físico e associa-lhe um certo conteúdo mental (descodifica a mensagem).
Portanto, para haver comunicação é necessário recorrer a um sistema de sinais. Esses sinais têm todos em comum o facto de possuírem uma face material, passível de ser apreendida pelos sentidos (o significante) e uma face não-material, estritamente mental, inapreensível pelos sentidos (o significado). A esses sinais constituídos por um significante e um significado chamamos signos, e podemos representá-los graficamente desta maneira:
SIGNO
=
Significante
Significado

Do que fica dito, resulta evidente que não há nenhuma relação natural e necessária entre significante e significado. Tal relação é convencional, resulta de um acordo tácito entre emissor e receptor, melhor dizendo, entre os elementos de uma dada comunidade. Isso torna-se mais evidente se pensarmos que um certo conteúdo mental (significado) pode ser associado a uma infinidade de significantes: a ideia de "janela", por exemplo, é representada de forma diversa nas várias línguas (janela, window, fenêtre...).
O código referido no esquema da comunicação é afinal o conjunto desses signos. Podemos então dizer que um código é um conjunto de signos e de regras de utilização. Para que haja comunicação é necessário que o emissor e o receptor conheçam o código utilizado, os signos e as respectivas regras de utilização.
Note-se que o que circula entre o emissor e o receptor é o significante. O significado (conteúdo mental) que o emissor atribui a esse significante continua no interior do emissor. O significante suscita no interior do receptor um outro significado, semelhante mas nunca idêntico ao do emissor.
Esta questão é importante, ainda que fique provisoriamente em aberto, e permite perceber melhor a diferença que há entre a linguagem técnico-científica e a linguagem literária.
CÓDIGOS VERBAIS E CÓDIGOS NÃO-VERBAIS
Naturalmente há uma multiplicidade de códigos, passíveis de serem utilizados pelos seres humanos nos actos de comunicação. Cada um de nós utiliza vários desses códigos, por vezes em simultâneo. Tradicionalmente distingue-se entre códigos verbais (também chamados linguagens verbais) e códigos não verbais (ou linguagens não verbais). Por vezes, códigos dos dois tipos são utilizados em simultâneo, como acontece na banda desenhada.
É evidente que o critério de distinção utilizado é o carácter verbal ou não verbal de um código, e isso porque, consensualmente, consideramos os códigos verbais (as línguas naturais) como os mais importantes.
Tendo em consideração aquilo que foi dito até agora, podemos então definir alguns conceitos frequentemente utilizados na disciplina de Português.
Linguagem — Capacidade que os seres humanos têm de transmitirem uns aos outros informações, utilizando signos; naturalmente está implícita na noção de linguagem, não apenas a utilização de signos pré-existentes, mas também a capacidade de criar novos signos, o que de facto acontece, sem que disso nos apercebamos claramente.
Língua — É um sistema particular de signos e regras (código), historicamente determinado, através do qual se exerce a capacidade da linguagem.
Fala — Designa a utilização individual e concreta de um sistema linguístico.
A linguagem é uma capacidade inerente a todos os seres humanos, que os distingue dos demais seres vivos. Mas essa capacidade só pode ser exercida pelo recurso a uma língua (um código). Para que um ser humano (uma criança, por exemplo) possa comunicar é necessário que aprenda (ou crie) um código (linguístico ou não). O exercício da faculdade da linguagem exige a presença de uma língua.
A língua é de natureza social, supra-individual, na medida em que é um conjunto de signos e regras reconhecido pelos membros de uma dada comunidade, enquanto a fala é sempre individual, visto que designa a utilização que um dado indivíduo, num dado momento, faz da língua.
O discurso é o produto do acto de fala. De facto, a fala é uma acção, um processo, que se esgota no próprio momento em que se conclui, mas que deixa um produto que perdura, ao menos virtualmente, para além do acto. O acto de falar perante uma dada assembleia esgota-se no próprio momento em que termina, mas o produto desse acto (o Sermão de Santo António aos peixes, do P. António Vieira, por exemplo) pode ser registado num suporte durável e conservado para a posteridade.
CONTEXTO COMUNICATIVO
Intencionalmente, o esquema da comunicação apresentado atrás representa o contexto como uma caixa rectangular que envolve os restantes cinco elementos (emissor, receptor, mensagem, código e canal). De facto, o contexto determina o tipo de comunicação estabelecido e dele, contexto, fazem parte todos os elementos que interferem no acto comunicativo.
Interlocutores (emissor e receptor)
O estatuto social, cultural, profissional dos interlocutores e a relação que existe entre eles condicionam necessariamente a comunicação. É fácil perceber que a relação comunicativa entre um chefe e o seu subordinado é diferente da que se estabelece entre dois colegas de trabalho.
Situação espácio-temporal
As circunstâncias de espaço e tempo integram também o contexto e condicionam a comunicação. A comunicação pode ser presencial, com os interlocutores no mesmo espaço, ou à distância, o que obriga à utilização de canais e "linguagens" diferenciados. Apenas a título de exemplo, repare que numa conversa telefónica as pessoas vêem-se frequentemente obrigadas a fazer referência ao espaço onde se encontram, o que não seria necessário se estivessem frente a frente. Por outro lado, na comunicação à distância não é possível recorrer aos gestos e expressões faciais, que devem ser substituídos por recursos linguísticos. Mesmo em situação presencial e com os mesmos interlocutores, a interacção comunicativa é diferente consoante o espaço concreto em que ela se efectua: imagine dois interlocutores num café e depois num espaço religioso...
Relativamente ao tempo, a comunicação pode ser directa, se a mensagem é imediatamente recebida pelo receptor, ou diferida, quando entre a emissão e a recepção existe um intervalo temporal. A possibilidade (ou não) de reagir imediatamente a um acto de fala condiciona fortemente a comunicação. O exemplo mais evidente disso é a diferença que existe, e de que todos temos consciência, entre a linguagem oral e a linguagem escrita. Embora sejam variantes do mesmo código linguístico, é por demais evidente que existem entre elas diferenças substanciais. E na comunicação diferida é também necessário suprir a falta de linguagens auxiliares (gestos, mímica...). É também necessário ao emissor prever de alguma maneira a reacção do receptor, de forma a antecipar uma resposta.
Conhecimento que os interlocutores têm do mundo
O saber que temos sobre o mundo em que vivemos determina igualmente a comunicação. Uma conversa sobre um determinado assunto será necessariamente diferente se envolver apenas especialistas ou se nela participarem, directa ou indirectamente, outras pessoas menos informadas. Por outro lado, os jovens e adultos não falam com uma criança do mesmo modo que falam entre si.
Contexto verbal
Outro elemento importante naquilo que designamos por "contexto comunicativo" é o próprio contexto verbal, isto é o(s) discurso(s) que a pouco e pouco se vai(vão) construindo num acto comunicativo, isto porque numerosos elementos linguísticos (os pronomes, por exemplo) só adquirem verdadeiramente sentido por referência a informações fornecidas anteriormente.

FUNÇÕES DA LINGUAGEM E INTENÇÃO COMUNICATIVA
Os actos comunicativos têm sempre uma determinada intencionalidade, que pode ser mais ou menos consciente. São essas diferentes intenções que temos em mente, quando falamos em funções da linguagem.
Função informativa (ou referencial)
O objectivo primeiro do acto de fala (a intenção do emissor) é transmitir informação sobre algum aspecto da realidade, exterior ou interior. É, de certo modo, a função primária da linguagem, aquela em que pensamos imediatamente, quando falamos em comunicação. O acto comunicativo centra-se predominantemente sobre o contexto. Utiliza frases de tipo declarativo.
Função expressiva (ou emotiva)
O acto de fala é utilizado para exprimir o estado de espírito, as emoções, as opiniões do emissor. Ao contrário do que acontece na função informativa (marcadamente objectiva), encontramos aqui uma clara subjectividade. A comunicação centra-se no emissor. Recorre a frases de tipo exclamativo.

Função apelativa
A linguagem é utilizada para agir sobre o receptor, para tentar modificar a sua atitude ou comportamento. Assume geralmente a forma de ordens, pedidos ou conselhos. Centra-se no receptor e implica o recurso a formas verbais do imperativo (ou conjuntivo com valor imperativo), ao vocativo e a frases de tipo imperativo.

Função metalinguística
A linguagem é utilizada para precisar algum aspecto do código utilizado, geralmente uma língua natural. Exemplo clássico de discursos onde predomina a função metalinguística são as definições dos dicionários e as explicações gramaticais. A comunicação está centrada no código.

Função fática
Neste caso a linguagem é utilizada para testar o funcionamento do canal e manter o contacto entre o emissor e o receptor. Esta função é mais evidente nas conversas telefónicas e naturalmente preocupa-se sobretudo com o canal.

Função poética
Por vezes a linguagem é utilizada fundamentalmente para produzir prazer estético. Os recursos linguísticos são dispostos de forma a construir um objecto artístico, capaz de, pela sua configuração, gerar, quer no emissor, quer no receptor, uma sensação de prazer semelhante ao que se obtém com a música ou a pintura. É mais evidente na poesia, mas está também presente na prosa literária e até no discurso oral. Encontramo-la igualmente no discurso publicitário ("Há mar e mar... Há ir e voltar...").
Em certos casos a forma do discurso aponta explicitamente para uma dada função, embora implicitamente a intenção comunicativa seja outra.
"Numa loja, o vendedor, pouco simpático, não quer dar à cliente facilidades de pagamento e ela diz: – Desisto já da compra...!" (in Da Comunicação à Expressão, Lisboa Editora, p. 20). Neste caso o acto de fala, explicitamente, dá uma informação ("Já não quero comprar nada..."), mas na verdade faz-se uma ameaça ("Se não me der facilidades, não compro.") e desse modo pretende-se modificar a atitude do vendedor.
RUÍDO E REDUNDÂNCIA
Todas as actividades humanas têm uma dimensão económica, na medida em que visam obter o máximo resultado com o mínimo de recursos. O mesmo acontece com a actividade linguística. Para atingir o máximo de eficácia, num acto de fala, todo o elemento novo deveria introduzir uma nova informação. Mas, na verdade, não é isso que acontece. Na maioria das frases é possível encontrar um ou mais elementos que se limitam a repetir informação anterior. Por exemplo, na frase "Os bons alunos estudam diariamente", a noção de plural é introduzida no sujeito ("os bons alunos") e repetida na forma verbal ("estudam"). Chama-se a isso redundância.
O recurso à redundância, que está em contradição com o princípio de economia referido anteriormente, explica-se pela necessidade de compensar os ruídos na comunicação.
Designa-se por ruído tudo aquilo que afecta a transmissão de informação. Exemplos de ruído são, por exemplo, uma voz excessivamente baixa, uma articulação deficiente, o barulho ambiental... Manchas de tinta cobrindo algumas palavras, erros ortográficos ou uma caligrafia pouco legível são também ruídos. O ruído pode Ter origem em qualquer dos elementos da comunicação: emissor, receptor, canal...
Uma mensagem isenta de redundâncias seria muito económica, mas teria o inconveniente de se poder tornar ininteligível com a perda de algum ou alguns dos seus elementos. É isso que explica o recurso à redundância.
BIBLIOGRAFIA:
F. VANOYE - Usos da Linguagem
J.G. HERCULANO DE CARVALHO - Teoria da Linguagem

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